No palco cada vez mais fragmentado das negociações internacionais sobre o clima, o Brasil ensaia seu protagonismo com o que chama de “diplomacia criativa”. A quarta carta da presidência da COP30, divulgada recentemente, reflete essa estratégia ao propor inovações discursivas e simbólicas, mas ainda sem tocar com firmeza nos nós duros da crise climática: a transição energética justa, o financiamento climático e a superação da dependência dos combustíveis fósseis.
A proposta de elevar o Balanço Global (GST) – aprovado na COP28 – à condição de nova meta global é, no mínimo, ousada. O Brasil sugere que, ao invés de apenas um referencial técnico, o GST funcione como uma bússola coletiva para guiar as contribuições nacionais (as NDCs) e a chamada “agenda de ação”.
A metáfora utilizada – de transformar a cacofonia climática em sinfonia coordenada – soa bela, mas esconde a complexidade do real. Trata-se de uma tentativa de reenquadrar o Acordo de Paris, cuja essência foi justamente evitar metas globais impositivas e privilegiar o modelo bottom-up, no qual cada país define quanto e como pode contribuir. Retomar a ideia de uma meta compartilhada, em um momento em que apenas 22 países atualizaram suas NDCs, pode provocar confusão ou, pior, desviar a atenção da urgência de se implementar o que já foi acordado.
Não é que falte boa vontade ao Brasil. O país tenta costurar pontes num mundo esgarçado por guerras e interesses divergentes. Com carisma diplomático reconhecido, seus representantes se posicionam como articuladores, e não como antagonistas. No entanto, o desafio da COP30, a ser realizada em Belém do Pará, vai muito além das metáforas ou da multiplicação de fóruns paralelos, mutirões, círculos de lideranças e enviados especiais.
O risco é claro: transformar a participação social em performance, e a inovação em distração. Sem um processo real de escuta, devolutiva e conexão com os espaços formais de decisão, os microfones abertos em eventos paralelos produzem mais ruído do que transformação. E isso é especialmente grave quando se reconhece que o tempo para agir está se esgotando – como alertam os próprios dados científicos do Balanço Global.
A crise climática exige enfrentamento direto às causas estruturais: modelos de desenvolvimento baseados na extração ilimitada de recursos, desigualdades históricas e financeirização da natureza. Não basta convocar a ação. É preciso garantir os meios para implementá-la – sobretudo financiamento, transferência de tecnologia e justiça climática.
A COP30 pode ser histórica. Não por sua criatividade simbólica, mas pela coragem de ir além do discurso e encarar os conflitos de frente. O Brasil tem um papel importante a cumprir, mas precisa decidir se quer ser o facilitador de uma nova era de cooperação ou o anfitrião de um grande espetáculo diplomático que, no fim, apenas girou em círculos.
O mundo não precisa de novas metáforas. Precisa de compromisso político, clareza estratégica e ação concreta. A hora de virar o jogo não é simbólica. É agora.
João Bosco Campos, Jornalista, Administrador. Eng. Agrônomo, Escritor, Compositor, Poeta, Cronista, Palestrante, Conferencista.
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